[Gerson Albuquerque (Rio Branco – Amazônia acreana)]
Madrugada de Quinta-feira
(diálogos com Trilce XXXVI)
Para Pedro Granados
No olho úmido da manhã, desejo penetrar a origem do mundo,
distante da tirania da razão
e da enganosa superfície da flor.
Liberto da palavra certa, mordo sons na boca dos homens,
sopros rítmicos na voz das mulheres,
enlameado na materialidade da terra.
Na impossibilidade da coisa em si, busco o eco transbordante,
o não sentido,
a antiestrutura física da raiz.
Recuso a totalidade simétrica, a harmonia da lógica estéril,
a vida sem vida,
sem morte.
Meu sendo entrelaça varadouros, estradas e caminhos,
sendovertentes,
sendolabirintos,
sendoAméricas.
Penetro a terra, vulva do mundo,
contorço seu umbigo,
suas entranhas,
seus seios embriagantes.
Amanho o dia fermentando luz no âmago das trevas,
explodindo mitigadas paixões,
abençoado pelo ódio dos deuses.
No afago sensual da vênus sem braços, abandono minhas mãos decepadas,
grito meu silêncio entre Trujillo e Santiago de Chucro,
revivo meu sofrimento eterno nas chamas da esperança.
Penetro o oco do mundo com meus pés descalços sobre plumas de argenta,
meus olhos fundos no horizonte atlântico,
caminhando órfão no dia da criação.