[Jussara Salazar (Paraná, Brasil)]
gigantomaquia
i
Ah no Pérgamon as cabeças não se movem. Brancas, arenosas, pétreas. Zeus tem os olhos fixos brilhando para um futuro que não virá. Porque as cabeças de Pérgamon deixaram para trás um corpo perdido. Esses corpos foram encontrados e agora estão ali. São muitos pedaços como atores de um teatro pós-apocalíptico
Primeiro o escavador descobriu alguns torsos e mãos. Depois vieram as pernas, os pés e muitos braços. Fragmentos vivos na memória de mutilações e guerras. Brilham agora como destroços no grande parque de corpos dependurados. Um amontoado de corpos sem ossos. Sem nervos. Gloriosos, expõem-se como puzzles, encaixes na tentativa de provar que foram corpos íntegros. Corpos com carne.
Por isso se desorganizaram e brotam das paredes como fissuras sem agonia. Exibem-se. São raízes subindo, descendo sua nudez decepada. Seu sexo clássico. Suas cabeças degoladas. Suas cabeleiras espessas. Suas mãos inúteis e pés cristãos.
ii
Para descrever esses corpos é preciso uma fração de segundo. Deuses se transformam. Não se repetem em sua luta para sobreviver. Já são sobreviventes. Porque não sobreviveram. E flutuam sem memória alguma. Dispersaram-se. São entulhos do pós-guerra. Corpos desenterrados que o capim não cobriu. E por isso a desordem. E enquanto morrem os animais esses corpos flutuam. São corpos sem peso que testemunham as nossas lembranças. Sem espasmos.
Silenciosamente.
Sem nenhuma dor
iii
Um zumbido pancrônico anuncia: os deuses chegaram. Aparelhados agora são corpos em movimento. Antena nos dedos, nadam como peixes no grande aquário humano. As máscaras, os músculos, brilham nas paredes do túnel. Vasculham a área. Ideogramas brilham sob o anúncio. A forma: uma papoula? Azul. Klein. Um blues sequer não há nem god save the queen. Nem pássaros. Mas os flashes estalam sobre os corpos. Coxas. Ruídos. Noé embriagado. Luz e trevas. Um braço de fiberglass. As sibilas e os profetas apontam para o céu. A terra arde numa festa de corpos.